alumbramentos

7.27.2006

MAIS UMA PORTA

eu no salão escuro de novo...
cadê coragem para abrir mais uma porta?

tem uma ali... mas parece tão comum.
não. comum, não. familiar.
será que eu já tinha visto esta antes?
será que ela estava aqui o tempo todo e eu não havia notado?

passei em bater. a porta abriu.
pensei em entrar. lá estava eu.
pensei em acender uma luz. tudo estava claro.
pensei. e o chão virou areia e o teto virou céu.

não havia música e o silêncio se transformou em barulho do mar.
não havia janelas e começou a soprar maresia.

sim, era uma praia.

uma praia simples como eu penso uma praia.
uma praia, ora essas. não dava pra descrever.
era.
e era tão linda!

pensei em pensar de novo, mas também pensei que podia ser pensar demais.
e em minhas mãos surgiram chocolates - de todos os tipos e cores - e eu juro pra vocês que eles nem derretiam ao calor do sol!

7.26.2006

PORTA 3

[porta larga, mas baixa.
madeira maciça e clara com maçaneta roliça]

aberta, escancarada mesmo.
não tinha como não prestar atenção.

entrava gente, saia gente.

[uma festa?]

entrei.
a porta fechou. tudo ficou em silêncio.

[para onde teriam ido todas aquelas pessoas?]

fiquei só em um cômodo amplo e confortável. tinha uma cama de casal e duas almofadas peludas brancas e grandes. tocava música clássica.

[hum! que cheiro bom! parece cheiro de felicidade!]

começou a doer.
eu olhava em volta e olhava para mim mesma e tentava entender.
não tem nada provocando essa dor. eu não via nada.
nó na garganta. não conseguia falar.
eu estava rouca.

comecei a investigar o ambiente melhor e por trás de cada parede descobri mundos inteiros!!!

eu não podia alcançar tudo aquilo!
eu tão pequena.
como?

[não pode existir só o "aqui", precisa mesmo desse infinito todo?]

doía cada vez mais. minha cabeça começou a doer.

sirene. dois guardas fardados me carregaram pra fora.
eu esperneei, briguei, gritei, chorei como nunca.
eu aprendi a chorar.

- me deixa ficar, me deixa ficar!!!

[você já se esqueceu?]

porta afora fechada.
aberta.
todo mundo entra e sai. ainda muita festa.

eu de longe não quero mais entrar.

[olha! uma das almofadas foi arremessada porta afora!]

- posso ficar com essa de lembrança?

se enamora

Porque eu te olhava e você era a minha infância, meu ursinho palhaço, meu índio jonathan, meu sapinho jonhy cantador, meu leão multicor de cavalgar em dunas, meu quick de morango, meu leitinho "coffee and tv", meu príncipe felipe, meu che guevara, meu cachorro vagabundo, minha garrafinha de coca-cola, meu charlie brown melancólico acompanhado de seu snoopy, e eu te falava do meu amor e você ria, desviava os olhos e ria.

(texto modificado: arnaldo antunes em "psia")

7.25.2006

B.O.

Sábado, 22 de julho de 2006.

Dois homens - estatura mediana, olhos e cabelos castanhos, pele morena, idade entre 35 e 40 anos - renderam o segurança, invadiram e assaltaram o Bar situado a R - ..... nº... no bairro de ... em torno das 4h30.
Um dos assaltantes estava armado - portava um revólver calibre 22.
Levaram a importância de R$... em dinheiro e R$... em cheque, além dos pertences dos funcionários presentes - o gerente do bar .... portador do rg nº..., uma garçonete .... portadora do rg nº ... e o segurança do bar.... portador do rg nº...
Entre os pertences se encontravam documentos, cartão de banco, cheques, documentos do carro, chaves do carro e celulares.
Os assaltantes ainda levaram o aparelho telefônico do Bar e as chaves, deixando os funcionários presos e sem comunicação.

Não houve mortos ou feridos graves.

Escrivão X, delegacia X, distrito X.


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[estou tão cansada... ainda bem que tá quase na hora de ir embora.
que barulho foi esse?]

- passa o dinheiro... eu quero todo o dinheiro já.... vamo, vamo....

[????]

uma arma é encostada na minha barriga.
eu - sentada em frente ao balcão - demoro a entender o que estava acontecendo.
levanto-me, deixando o caminho livre para que o bandido chegue até o caixa.

o gerente (meu namorado) entrega todo o dinheiro.

- vamo, mano, eu sei que você tá escondendo a grana... tem mais grana aí, que eu sei.

[não tem. esse é todo o caixa da noite. há pouco dinheiro que o pagamento da banda de hoje foi alto. idiota!]

- não tem. tô te falando que eu já te entreguei tudo.
eu sou só funcionário. por mim, você pode mesmo levar tudo. por que eu esconderia a grana?

o cara vem em minha direção.
pega no meu braço. manda que eu me deite no chão. me joga no chão.
faz o mesmo com o segurança - que até então, como eu, estava assistindo toda a cena.
eles estavam em dois. somente um dos dois armados.
o rapaz sem arma começa a chutar o segurança. olho pra ele.

[filho de uma puta! esse carra passou a noite toda aqui no bar como cliente. eu tenho certeza! eu atendi a mesa dele. ele estava sentado na mesa em baixo do quadro do Nei. eu me lembro inclusive dos pedidos dele - um smirnoff, uma tequila, dois red label e um energético. filho da puta! ele está olhando pra mim... percebeu que eu estou olhando para ele. mas é burro... achou que eu não fosse reconhecer? ele continua me olhando, melhor eu virar o rosto para o outro lado...]

[o dani tá sangrando! tem sangue escorrendo da cabeça dele... eu nem vi o cara bater! será que machucou muito? filhos da puta!]

- amigo, acho melhor vocês irem embora. o dono da bar chega daqui a pouco para buscar o dinheiro. eu já entreguei tudo mesmo. vocês já pegaram o que queriam.

- vamo, embora, vamo embora.... (bandido sem arma)

- não, eu quero ver o que tem naquela caixa ali.... (bandido armado)

a caixa é aberta. estão as moedas reservadas pra troco.

- não falei mano que tem mais dinheiro aí?! você tá escondendo a grana!

- é tudo trocado! não tem nem R$50,00 aí... pode levar!

além das pancadas na cabeça - agora um soco na barriga.

- cadê os celulares de vocês? e o telefone sem-fio do bar? me entrega tudo.
eu quero aquela bolsa também. de quem é aquela bolsa? abre a bolsa!

- pode levar. leva o que você quiser.

- pega os cigarros. e as chaves do bar? cadê?

[será que eles não vão embora nunca? faz uns três dias que eles estão aqui dentro]

- vamo embora, maluco, o cara vai chegar. (bandido desarmado)

- vamo, vamo.... (bandido armado)

[...]

eu tremia. não conseguia mexer as pernas. nunca tinha sentido tanto medo.
fui ver como estava o Dani. o corte não foi sério. só tinha sangrado bastante por ser na cabeça. estavamos sem comunicação e presos dentro do bar.

eu só queria ir pra casa e não ter de voltar ali nunca mais.



7.20.2006

PORTA 2

[porta alta, afilada, escura.
fechadura de ferro. grande. imponente]

passei uma vez. passei duas. três.
passei uma porção de vezes em frente a essa porta.

sempre fechada.

de dentro, podia se ouvir uma música. música difícil. não conseguia entender.
era matemática.
um dia distraído a porta aberta discretamente, entrei.
cheirava a ferro/ferrugem.

era escuro mas brilhava, brilhava muito.

[seriam diamantes?]

senti medo. conforto. depois medo.
quis sair. hesitei. voltei. quase saí. entrei de volta.

fui embora.

a porta fechou e não abre mais.
senti saudade.

lá dentro agora - a música é outra.

uma das portas da rê

Súbito me encantou
A moça em contraluz
Arrisquei perguntar: quem és?
Mas fraquejou a voz
Sem jeito eu lhe pegava as mãos
Como quem desatasse um nó
Soprei seu rosto sem pensar
E o rosto se desfez em pó

Por encanto voltou
Cantando a meia voz
Súbito perguntei: quem és?
Mas oscilou a luz
Fugia devagar de mim
E quando a segurei, gemeu
O seu vestido se partiu
E o rosto já não era o seu

Há de haver algum lugar
Um confuso casarão
Onde os sonhos serão reais
E a vida não
Por ali reinaria meu bem
Com seus risos, seus ais, sua tez
E uma cama onde à noite
Sonhasse comigo
Talvez

Um lugar deve existir
Uma espécie de bazar
Onde os sonhos extraviados
Vão parar
Entre escadas que fogem dos pés
E relógios que rodam pra trás
Se eu pudesse encontrar meu amor
Não voltava
Jamais

(chico buarque e edu lobo)

7.19.2006

Franz Ferdinand - Lynsey Wells

7.18.2006

PORTAS

um salão circular cheio de portas.
portas grandes, pequenas, altas e baixas, de todas as cores.
salão escuro frio. pé direito alto.
menor ruído despertava eco.

PORTA1

bati na primeira porta.
abriu.
luz difusa. quente.
cores pastéis.
amarelo e vermelho vivo - quase destoavam.

[são fitas de cetim - que bonito!]

havia música na sala - um pouco melosa/melódica demais. confortável.

[silêncio]

nuvens carregadas envolvem o lugar.
vento frio.
escuro, escuro... escuro.

quando tudo lá dentro ia/virara nada e o chão já ia quase/desaparecera sob os pés um sopro me cuspiu porta afora.

a porta bateu surda.
fechada.
- Com licença, por favor.
- Com licença.
- Licença, por favor...
- Por favor, gente, eu preciso passar.
- Com licença...

[nossa... que sujeira. alguém precisa limpar isso. EU preciso limpar isso.
será que as pessoas não conseguem agir civilizadamente? argh!]

[pronto]

[agora eu tenho que voltar]

- Com licen...

!!!PLACK!!! (barulho de vidro estourando)

[???]

_ eu estava aqui pensando se você é feliz..."será que ela é feliz?" e o vidro quebrou. me desculpe!

7.03.2006

As mãos de Deus são nodosas e ásperas. Não do trabalho pesado nos seus campos, mas de Senhor que nunca se lembra de hidratar as palmas.
São elas que descobrem minha cabeça no refúgio noturno e apertam minha mão direita - escondida embaixo do corpo e fechada em coração - até os dedos doerem muito para eu não me esquecer de que não estou sozinha.


Quando ele me pediu em casamento só pude pensar nos prédios tristes da minha infância.
Não fosse por essa primeira associação vinda de um lugar e motivo que não pude imediatamente identificar, teria dito sim com um sorriso pouco sério.
No entanto foi difícil não contrair em desagrado os músculos da face.
Ele segurava minhas mãos entre as dele, olhando pra mim com seriedade e sem severidade. Menos atentando para minha reação e mais respeitando a pausa necessária para a sua declaração ensaiada.
Vestia um terno grande para o seu pouco peso - corpo de moleque - todo caimento acomodava-se com dobra, dando uma impressão muito desajeitada.
Tinha pensado em tudo! Me disse.
E enumerava calmamente os meios através dos quais concretizaríamos a proposta: um emprego simples - as contas rabiscadas em valores imaginados - os passeios de fim de semana, alternando os de pequenos e grandes custos.
A casa como lar cotidiano, igual a uma música de amor que conhecíamos e gostávamos muito.
- Vamos juntar nossos trapos. - ele terminou.
Pensei se ele seria capaz de propor que juntássemos também as nossas dores.
Perplexa abri com os dedos uma fenda entre nós.
A buzina do carro fez com que ele tirasse os olhos ansiosos de mim.
A mãe acenava com pressa parada em fila dupla.
Olhou uma última vez esperando resposta, acho que aquilo se chamou decepção.
Nunca mais tocamos no assunto.
Anotei tudo num diário que nunca abro, mas acho que não me esqueci de uma só palavra. E abri um parênteses que opõe tristeza e felicidade.