alumbramentos

7.03.2006

As mãos de Deus são nodosas e ásperas. Não do trabalho pesado nos seus campos, mas de Senhor que nunca se lembra de hidratar as palmas.
São elas que descobrem minha cabeça no refúgio noturno e apertam minha mão direita - escondida embaixo do corpo e fechada em coração - até os dedos doerem muito para eu não me esquecer de que não estou sozinha.


Quando ele me pediu em casamento só pude pensar nos prédios tristes da minha infância.
Não fosse por essa primeira associação vinda de um lugar e motivo que não pude imediatamente identificar, teria dito sim com um sorriso pouco sério.
No entanto foi difícil não contrair em desagrado os músculos da face.
Ele segurava minhas mãos entre as dele, olhando pra mim com seriedade e sem severidade. Menos atentando para minha reação e mais respeitando a pausa necessária para a sua declaração ensaiada.
Vestia um terno grande para o seu pouco peso - corpo de moleque - todo caimento acomodava-se com dobra, dando uma impressão muito desajeitada.
Tinha pensado em tudo! Me disse.
E enumerava calmamente os meios através dos quais concretizaríamos a proposta: um emprego simples - as contas rabiscadas em valores imaginados - os passeios de fim de semana, alternando os de pequenos e grandes custos.
A casa como lar cotidiano, igual a uma música de amor que conhecíamos e gostávamos muito.
- Vamos juntar nossos trapos. - ele terminou.
Pensei se ele seria capaz de propor que juntássemos também as nossas dores.
Perplexa abri com os dedos uma fenda entre nós.
A buzina do carro fez com que ele tirasse os olhos ansiosos de mim.
A mãe acenava com pressa parada em fila dupla.
Olhou uma última vez esperando resposta, acho que aquilo se chamou decepção.
Nunca mais tocamos no assunto.
Anotei tudo num diário que nunca abro, mas acho que não me esqueci de uma só palavra. E abri um parênteses que opõe tristeza e felicidade.

6 Comments:

  • At 4:52 PM, Anonymous Anônimo said…

    "Perplexa abri com os dedos uma fenda entre nós".


    gostei mto, Tê, de tudo

     
  • At 10:16 AM, Anonymous Anônimo said…

    wow!

     
  • At 6:26 PM, Anonymous Anônimo said…

    que tal começar a parar de se lamentar e começar a viver?

     
  • At 10:44 PM, Anonymous Anônimo said…

    difícil é assumir a própria identidade, não, amigo anônimo?

     
  • At 5:32 PM, Anonymous Anônimo said…

    sim dificil

     
  • At 6:56 PM, Blogger Liza said…

    Este comentário foi removido por um administrador do blog.

     

Postar um comentário

<< Home