alumbramentos

12.30.2005

jô,

mais solitária é a minha voz quando você me esquece. nem pôde perceber o quanto rouca ela anda ficando. se não fossem os meus cabelos tão firmes, acreditaria que minhas temporas também envelheceram. aí você se dá conta que já me esqueceu por muito tempo e está na hora de voltar a me lembrar. você tem essa idéia boa e cheia de vontade de que lembrar não é só ter imagens, sons, cheiros e impressões de outra vida dentro da cabeça. lembrar também é perguntar "como vai?", "ainda anda apaixonado pelos mesmos velhos amores?", "lembrei de você um dia desses... lembra-se de mim de quando em quando?". e quando minha voz rouca cessa, quando meu cabelo firme nem soa tão titânico, você respira aliviada porque não precisa saber tanto ao meu respeito para manter as suas flores diárias.

e para falar a verdade, eu mesmo penso essas coisas, não porque eu me importo com seus esquecimentos -- já deixei de me importar com muita coisa que me fazia sentido bom. mas penso nessas coisas como um exercício, um olhar atento, um radar para ver se eu mesmo faço isso com quem quero bem. porque eu sei que me quer bem e sabe da minha competência da beneficância. eu observo as pessoas que esqueço e me volta as mais estranhas lembranças. memórias que nem sabia que me pertenciam. até então, era um outro que pretendia não esquecer, um outro eu que não conhecia a ação do tempo nas carnes e nas almas.

o mais difícil para mim, jô, é achar que você não tem jeito para mim. assim como eu não tenho dedos hábeis para suas costas. se a minha voz rouca pudesse ser concretizada em movimentos mais incisivos não poderia massageá-la ou aliviar a fadiga.

a minha voz é apenas essa que se faz e se desfaz como todos os amores que você já teve.

12.29.2005

Trip,

O cheiro de mar impregnou minhas roupas, assim como ao fundo de tudo que escuto persiste o som das ondas se formando e quebrando naquelas pedras.
E é areia o que limpo no canto dos meus olhos quando acordo e o que faz meus pés soarem chocalhos batendo contra o chão enquanto ando.
Como todas as grandezas inapreensíveis, a materialidade e a adjetivação óbvia é tudo o que posso nomear: imenso.
Minha visão não tem esse alcance.
Estou mareada com tudo o que meus sentidos absorveram e eu não pude compreender.
Meu estômago não é o mesmo há dias, engoli um filhote de peixe inteiro que após se debater por horas dentro de mim acabou por se acostumar com as novas condições ambientes, acho. Parecia querer saltar pela minha boca, mas a palavra nunca chegou a se formar - sílabas escorregadias e salgadas deixaram o céu da minha boca infértil.
E o mais estranho é saber, sem poder ver, que ele está crescendo.
Estou tentando escolher um nome pra torná-lo mais próximo meu. Penso em nomes bíblicos masculinos, acho que anseio por uma benção.
É assustador e fascinante ser tão pequena e tão grande. Tenho um instante pérola fechado na concha do meu peito.
Seria muito mais solitário se não fosse por Matheus, Pedro, João, Paulo...E em qualquer conversa, sem que eu possa evitar, meu olhar desvia em busca de um horizonte possível.

Ana
(dezembro dos 200...)

12.19.2005

brilho eterno

Dreams
Inconsistent angel things
Horses bred with star-laced wings
But it's so hard to make them fly, fly, fly
These wings
Beat the night sky 'bove the town
One goes up and one goes down
And so the chariot hits the ground, bound, bound

We have forgotten (don't try to make me fly)
How it used to be (I'll stay here, I'll be fine)
How it used to be (don't go and let me down)
How it used to be (I'm starting to like this town)

When wings beat the night sky 'bove the ground
When I unwillingly shoot them down
With all my petty fears and doubts, down, down?

We have forgotten (am I in love with this?)
How it used to be (my constant broken ship)
How it used to be (don't go I'll shoot you down)
How it used to be (I'm starting to like this town)

(We Have Forgotten - Sixpence None The Richer)


12.12.2005

brilho eterno

Um cheiro doce.
Tinha uma série de lembranças cansadas que outrora eram a única fonte vital pulsando ofuscada pelo opaco espectro de luz branca do presente.
- Do que você mais gosta?
A moça fazia perguntas difíceis.
E se pudesse parar de pensar?
Achava que sentia alguma coisa parecida com...NADA.
E o nada era além do cansaço, a vontade de pensar o viver outra coisa.
Tudo aquilo: comer, conversar, dançar, ler, amar... Eram como uma mesma coisa e tudo era ameno e bom, ou mais bom do que ruim.
- O céu deve ser essa pasmaceira...
Sim, isso menos as novas vontades.
As novas vontades não levavam para o céu, porque lá já teria morrido.
Abriu os olhos nublados, eram muito iguais os olhos dele, os mesmos.
E era de repente e devagar que ele acontecia (de) novo.
- Tudo se entende de mil maneiras...
As sensações existiam assim, por si, estava no mundo. E a intenção dos gestos era a cumplicidade acidental, um truque de mágica qualquer.
- Me dá sua mão?

12.08.2005

BRILHO ETERNO

" How happy is the blameless vestal's lot!
The world forgetting, by the world forgot.
Eternal sunshine of the spotless mind!
Each pray'r accepted, and each wish resign'd..."


Assisti ontem pela segunda vez este filme.
Pensei que não fosse me emocionar tanto como da primeira vez...
Engano meu.
Olhos vermelhos. Pijama e edredon úmidos.

É realmente muuuuuuito lindo!


P.S. para os colegas de blog: todo mundo abandonou o barco????